Reparações? Veja quanto Portugal pagou para retomar o Nordeste, mesmo os brasileiros tendo vencido os holandeses. “O negócio do Brasil”
Como Portugal comprou o Nordeste dos holandeses R$ 3 bilhões
Em livro relançado, historiador brasileiro diz que lusitanos pagaram o equivalente a 63 toneladas de ouro para ter região de volta mesmo depois de derrotar holandeses no século 17.
Quadro do pintor brasileiro Victor Meirelles de Lima retrata Batalha dos Guararapes (1648/1649), que encerrou período do domínio holandês no Brasil (Foto: BBC/Wikipedia)
Mesmo depois de terem sido derrotados, os holandeses receberam dos portugueses o equivalente a R$ 3 bilhões em valores atuais para devolver o Nordeste ao controle lusitano no século 17.
O pagamento ─ que envolveu dinheiro, cessões territoriais na Índia e o controle sobre o comércio do chamado Sal de Setúbal – correspondeu à época a 63 toneladas de ouro, como conta Evaldo Cabral de Mello, historiador e imortal da Academia Brasileira de Letras (ABL), no livro "O negócio do Brasil", que está sendo relançado em uma nova edição ilustrada pela Editora Capivara, de Pedro Correia do Lago, ex-presidente da Fundação Biblioteca Nacional. A edição original foi lançada em 1998.
Em valores atuais, o montante equivaleria a 480 milhões de libras esterlinas (ou cerca de R$ 3 bilhões). O cálculo foi feito à pedido da BBC Brasil por Sam Williamson, professor de economia da Universidade de Illinois, em Chicago, nos Estados Unidos, e co-fundador do Measuring Worth, ferramenta interativa que permite comparar o poder de compra do dinheiro ao longo da história.
"Esta foi a solução diplomática para um conflito militar. O pagamento fez parte da negociação de paz. O que não quer dizer que a guerra não tenha sido necessária", afirmou Cabral de Mello à BBC Brasil.
'Pechincha'
Bandeira da Nova Holanda, como ficou conhecida a colônia da Companhia Neerlandesa das Índias Ocidentais no Brasil (Foto: BBC/Wikipedia)
Os holandeses ocuparam o Nordeste por cerca de 30 anos, de 1630 a 1654, em uma área que se estendia do atual Estado de Alagoas ao Estado do Ceará. Eles também chegaram a conquistar partes da Bahia e do Maranhão, mas por pouco tempo.
Por trás das invasões, havia o interesse sobre o controle do comércio e comercialização da matéria-prima.
Isso porque, como conta Cabral de Mello, antes mesmo de ocupar o Nordeste, os holandeses já atuavam na economia brasileira com o apoio de Portugal, processando e refinando a cana de açúcar brasileira.
Gravura holandesa retrata o cerco a Olinda em 1630 (Foto: BBC)
"Quando o reino português foi incorporado pela Espanha, essa parceria acabou. Os espanhóis romperam esse acordo, que rendia altos lucros aos holandeses. Além disso, a relação entre os holandeses e os espanhóis já não era boa, já que a Holanda havia se tornado independente do império espanhol em 1581", diz o historiador.
Durante o período em que ocuparam parte do Nordeste, os holandeses foram responsáveis por inúmeras mudanças importantes, inclusive urbanísticas, principalmente durante o governo de Johan Maurits von Nassau-Siegen, ou Maurício de Nassau.
Com o intuito de transformar Recife na "capital das Américas", Nassau investiu em grandes reformas, tornando-a uma cidade cosmopolita. Apesar de benquisto, ele acabou acusado por improbidade administrativa e foi forçado a voltar à Europa em 1644.
'Sem heroísmo'
Quadro do pintor espanhol Juan Bautista Maíno retrata reconquista de Salvador pelas tropas hispano-portuguesas (1635) (Foto: BBC)
Naquele ano, Portugal já havia se separado da Espanha, mas demorou para enviar soldados para retomar o Nordeste. A região só foi reintegrada em janeiro de 1654.
Cabral de Mello, que é especialista no período de domínio holandês, diz que a tese de que os holandeses foram expulsos pela valentia dos portugueses, índios e negros "não é completa".
"Os senhores de engenho locais financiaram a luta pela expulsão dos holandeses, já que deviam mundos e fundos à Companhia das Índias Ocidentais, que lhe havia emprestado dinheiro. Eles, no entanto, não tinham como pagar a dívida", explica o historiador.
"Os holandeses acabaram derrotados, mas não sem antes pressionar Portugal pelo pagamento dessa dívida, inclusive chegando a bloquear o Tejo (Rio Tejo). O pagamento não foi feito em ouro, mas um observador da época fez a correspondência para o metal precioso".
"Portugal teve de pagar 10 mil cruzados aos holandeses. Também fez parte do acordo a transferência do controle de duas possessões territoriais portuguesas na Índia ─ Cranganor e Cochim ─ e o monopólio do comércio do Sal de Setúbal".
Luís Guilherme Barrucho Da BBC Brasil em Londres 12/10/2015